Com o estado de calamidade pública decorrente da pandemia de COVID-19, foram editados diversos decretos determinando o fechamento de estabelecimentos comerciais, shopping centers, academias, escolas e universidades. Diante desse cenário, muito se tem discutido sobre a continuidade do pagamento de aluguéis dos imóveis onde esses negócios estão estabelecidos.

Se espera a aprovação de um projeto de Lei[1] (Projeto de Lei nº 1179, de 2020) de relatoria do Senador Antônio Anastasia fixando pontos que parecem ser fundamentais para balizar o tempo e limites das reinvindicações inerentes às imposições – antes imprevisíveis – que se fizeram sobre esses negócios.

É evidente que a crise ora vivida, sem precedentes no mundo moderno, jamais poderia ser antecipada no trato para contratação de locações em imóveis não residenciais, cuja atividade foi afetada sobremaneira. Entretanto, o que se tem visto na prática é a ampla alegação por parte de locatários que diante da situação excepcional, não poderiam arcar com os custos locatícios.

Dentre as justificativas para eximir o pagamento dos aluguéis estariam a inacessibilidade e impossibilidade de utilização do imóvel, o impedimento à plena atividade comercial, o impedimento total de desempenho da atividade comercial como no caso de imóveis em shoppings centers e centros comerciais, aliados ao isolamento social que busca afastar as pessoas das ruas, das lojas, das aglomerações de pessoas, de tudo aquilo que, no momento da crise em saúde que vivemos, não parece essencial à manutenção e subsistência em regime de confinamento.

Para esses negócios, ter pessoas circulando é fundamental para manter o equilíbrio financeiro, que já vinha tão combalido em diversas atividades após longo período de crise econômica e política que temos vivido no Brasil.

Apesar de todo esse cenário, pondera-se que nem todo pedido de remissão de aluguéis é justo, nem mesmo todo pedido de revisão diante do fato extraordinário e imprevisível, que tende a colocar as partes contratantes em uma posição de desequilíbrio, deve ser atendido, chamando-se a atenção para algumas ponderações que devem ser feitas em cada caso.

A locação é um dos desdobramentos possíveis da fruição, um dos direitos inerentes a propriedade, essa que é garantida como cláusula pétrea no inciso XXII do artigo 5º da nossa Constituição da República.

Quando um locador exerce seu direito de propriedade – decidindo investir em um imóvel para finalidade locatícia – ele está aliando suas expectativas a um regime de proteção constitucional, de modo que existem muito poucas formas que poderiam atingir de forma contundente o objeto de seu investimento, sendo todas elas, excepcionais, como a hipótese de desapropriação.

Ora, estamos em um momento de excepcionalidade, mas mesmo assim existem limites que precisam ser respeitados.

É fácil presumir que diversas atividades sofrerão imenso impacto da crise relacionada a pandemia do COVID-19, contudo, esse atingimento se dará de forma diferente a cada atividade empresarial. Ainda assim, mesmo as atividades mais atingidas precisam levar em conta que elas não serão as únicas e que os ônus precisam ser distribuídos com base na boa-fé, probidade, equilíbrio contratual e respeitando o direito de propriedade.

Isto posto, é de se concluir que haverá atividades comerciais que cessarão por completo durante a crise pandêmica, e que essas sofrerão seus efeitos por muito tempo após sua passagem. A adaptação ao novo contexto será mandatória para a sobrevivência empresarial, mas existem alguns pontos que colocam locatários de imóveis comerciais em vantagem em relação aos seus senhorios, como a extensa lista de benefícios fiscais e trabalhistas que vem sendo concedidos e promovidos por municípios, estados e a União, e que muito dificilmente poderão ajudar pessoas que decidiram em algum ponto investir em imóveis para locação.

Sem dúvida alguma, lojas de sapatos, de chocolates, roupas, comércios em geral de artigos não essenciais a subsistência breve do ser humano, sofrerão os maiores percalços dessa crise. Junto a eles estarão aqueles que tem seus negócios em shoppings centers e centros comerciais. Porém, o bom senso e a busca do equilíbrio contratual não podem permitir que locadores sofram a maior parte desses ônus ao arrepio de seu direito de propriedade.

Com essas ponderações feitas, recomenda-se a locatários e locadores, na hipótese de necessária renegociação contratual, que considerem as particularidades subjetivas da relação contratual (a atividade comercial em que o locatário está estabelecido, o nível de acesso ao imóvel objeto da locação), com realização de análises periódicas do ônus suportado pelas partes, visando sempre que possível a promoção do equilíbrio contratual. A pretensão resolutiva pela via consensual, de certo modo, busca evitar o congestionamento do poder judiciário, além de evitar a incerteza e a demora das decisões judiciais.

Os ônus dessa crise, relacionados às relações locatícias, não devem recair exclusivamente sobre locadores, devendo ser repartido entre as partes contratantes para que os locadores venham a experimentar ônus equivalentes a, no máximo, a metade dos alugueis, eis que implicar-lhe mais do que esse ônus seria lhes atribuir a totalidade dos prejuízos pela impossibilidade de utilização do imóvel, sem que lhe sejam possibilitadas as benesses relacionadas ao poder público ou mesmo a manutenção de seu direito de propriedade.

Leonardo Mira

Sócio do escritório Mira Advogados Associados; Mestrando em Direito da Regulação, Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio; Advogado especialista nas áreas de Direito Educacional e Empresarial.